quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Quem sabe tudo é a Hermione...

Nesses meus poucos anos como educadora acumulei vários questionamentos a respeito do fazer educação. Questionamento sobre o processo em si e, principalmente, sobre métodos de avaliação e aprovação dos alunos em pleno século XXI.
Numa ocasião até chutei o balde ao ler opiniões sobre como melhorar a educação na lua, em Saturno ou num universo paralelo, mas inviável para nossa realidade de sala de aula.
Tudo o que consegui até hoje foi ter mais e mais certeza de que não há mais espaço para educação pequena, encolhida, convencional e conteudista. E o pior de tudo, na minha opinião, é avaliar alunos com as apavorantes provas, que não provam nada a ninguém. Digo e continuo dizendo que, enquanto estivermos dando aulas e avaliando um nome na lista de presenças, seremos nada mais nada menos que meros leitores de nomes em uma lista de presenças.
Enquanto não tivermos consciência de que o nome representa uma PESSOA, que essa pessoa vem de algum lugar, tem sonhos, ideias, vontades, saberes que traz consigo e vai para algum outro lugar, não estaremos sendo educadores, mediadores de conhecimentos. Seremos meras figuras decorativas, arrogantes em nosso próprio mundinho de que somos os sabe-tudo, os donos no conhecimento e quem está sentado em "nossa sala de aula" são apenas sacos vazios que devemos encher com conteúdos e mais conteúdos.

E, acreditando nisso, um dia qualquer dei de cara com o texto que reproduzo (na íntegra, tal e qual recebi) abaixo, de uma garota de 15 anos, uma "mera aluna" (sim, ouvi essa pérola!) que também tem seu grito de desabafo sobre o tempo que passa numa escola como "só mais uma". Espero encontrar muitas e muitas Sofias por esses meus dias na educação.
Obrigada, Sofia! Toda vez que me deparo com algo como o teu texto percebo que não sou um ser viajante de um universo alternativo, mas  uma professora que está fazendo o melhor possível para acertar, dentro de suas limitações. Não prego o fim da escola, muito pelo contrário. Seria dar um tiro no pé e acabar com o melhor do meu trabalho: o amor que tenho pela minha profissão! O que eu acredito é que a escola necessite passar por uma profunda mudança de parâmetros de comportamento e questionar tudo o que estamos fazendo e que dão frutos. E por frutos eu não pretendo usar como exemplo uma nota 10 numa prova que quem a fez, decorou tudo e, talvez e muito provável, não entendeu o suficiente para reproduzir mais tarde.
Somos professores, colegas, não seres que, no dia da colação de grau, ganham uma caixinha com todo o saber do mundo para ser acoplada ao cérebro.

           
Mau aluno por questão de classe
           
Eu sempre fui uma má aluna no colégio. Aliás, na escola não existe mal aluno, existe mau aluno. Maus alunos aprendem a ser crucificados desde pequenos.
Há dois anos lembro-me que tirei um 2,0 numa prova de matemática. Foi, disparada, a menor nota da turma. Talvez eu tenha nascido ali, no momento em que fiz questão de olhar aquela nota ridícula e encará-la profundamente. Fixei meus olhos no maldito “2,0” bem grande com uma carinha triste ao lado e me perguntei o que aquela prova provava de fato? Eu ainda faria mais algumas dezenas de vezes a mesma pergunta para algumas dezenas de provas “mal sucedidas”.
Talvez o grande problema do colégio seja o ensino em larga escala. Mas como assim “ensino em larga escala”? Quando se coloca um professor para dar aula a trinta crianças parte-se da premissa de que todos os alunos estão na mesma condição de aprendizado. O que é, indiscutivelmente, um equívoco. O colégio acaba por reduzir trinta crianças a uma. Claro que dará algo errado. Ou seja: o erro da escola se esconde em sua própria virtude. É risível e trágico, o terreno em que a escola se constrói é absurdamente leviano. Não estou aqui querendo sugerir soluções ao sistema educacional. Eu sei que isso não vai mudar. Escrevo isso como um desabafo.
Matematicamente, numa turma escolar, um aluno sempre se dará bem e receberá os mais variados elogios, enquanto outro sempre se dará mal e terá de sustentar sua autoestima sozinho, bombardeado — mesmo que sutilmente — com os rótulos “fraco”, “desatento”, “desinteressado”. E esse é o pior bulliyng que uma criança pode sofrer. O bullying invisível. Essa violência moral silenciosa, travestida de verdade absoluta, que asfixia e tortura a inteligência da criança. Anna Freud, a última filha de Freud, certa vez escreveu: “Mentes criativas são conhecidas por sobreviverem a qualquer tipo de mau aprendizado”.
Repetindo: eu não tenho nenhuma pretensão de mudar o sistema educacional ou sugerir alguma solução. Eu sei que não há solução. Não há modelo ideal de ensino. Eu aceito isso. Pretendo aqui expor um novo ângulo, mostrar uma nova fotografia da realidade da Educação pela perspectiva de (mais) um mau aluno.
Gostaria de deixar bem claro que as escolas lidam com crianças e crianças não sabem o que estão fazendo na escola (nem o aluno que tirou 10 na prova sabe). É natural que entre trinta crianças, uma delas não se interesse pela aula. O desinteresse é autêntico. Certamente (e ainda bem) pelo menos uma criança não será atraída por aquilo que está sendo dito em aula. Ao invés de prestar atenção em algo “inútil” para ela, a criança “desatenta” prefere prestar atenção em seu próprio mundo. Isto faz sentido. Quem a escola chama de “fraco” possivelmente é quem possui mais fibra intelectual para rejeitar a opressão travestida de “ambiente de aula”. Isto se chama personalidade. Não quero sugerir o “fim” da escola (a perfeição não existe), estou apenas propondo uma nova forma de enxergar os “maus alunos”, em defesa de minha própria classe.
Tratando-se de crianças, o termo “desatenção” não se aplica. Não há criança “desatenta”, há criança com atenção voltada àquilo que lhe apetece. É muito fácil dizer que uma criança é “desatenta”, quando na verdade ela está atenta justamente àquilo que o professor não enxerga. É confortável chamar o mau aluno de avoado, difícil é conseguir ser interessante o suficiente para conquistá-lo.

Uma nota baixa numa avaliação, portanto, muitas vezes prova que este “mau aluno” não está condicionado a engolir qualquer coisa goela abaixo. Prova também o poder de sua busca por coisas mais consistentes. Ao passo que o “bom aluno” na maioria das vezes prova, com sua nota dez, que está 100% submetido aquilo que lhe é imposto. Sinceramente, qual desses alunos podem oferecer saídas criativas para um mundo melhor? Aonde está a personalidade de uma criança que acata tudo que lhe é imposto? Em qual lata de lixo largamos a razão quando ficamos felizes com o fato de uma tirar dez numa matéria que ela ainda — definitivamente — não tem capacidade de compreender a importância? Eu gostaria de tirar os holofotes das crianças “responsáveis” e adestradas e apontar as luzes para as crianças desobedientes e saudáveis.

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